Aécio Diniz
Crianças e jovens do Cariri cearense – região com 800 mil habitantes ligados culturalmente pela Chapada do Araripe, conhecida internacionalmente por sua reserva fossilífera – entram em contato direto com mitos e lendas representativas da identidade Kariri, bem como com suas tradições culturais, aprendendo o valor da sabedoria popular e a importância de se preservar e difundir o patrimônio imaterial do Cariri.
Trata-se do projeto SerTão Sonoro, uma iniciativa construída coletivamente pelas crianças e jovens da Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri e pela Rede Coletivo, com patrocínio do Ministério da Cultura e da Chesf Eletrobras.
O resultado do contato e entrevistas com as comunidades tradicionais, artesãos, músicos, poetas, rezadeiras e cantadores da região culminaram em um cd com 30 programas radiofônicos de 10 minutos cada um, que está sendo distribuído a escolas públicas da região, bem como a rádios educativas, comunitárias e universitárias.
Mas, de acordo com Aécio Diniz, coordenador da coordenador da rádio Casa Grande FM, a abrangência do SerTão Sonoro é ainda maior, pois os participantes podem, a partir da experiência adquirida, multiplicar seu conhecimento, empoderando e fortalecendo as comunidades da região.
Além disso, palestras e rodas de conversa estão sendo realizadas em espaços educativos na região para divulgação do projeto, bem como parcerias e articulações com rádios públicas de todo o Brasil para disponibilização dos programas de rádio e informações sobre possibilidades de uso.
Aécio ressalta que, para que projetos como este serem replicados é fundamental que haja a construção de grupos e pensamentos coletivos, que visem à valorização do patrimônio que possuem em suas comunidades. De acordo com ele, assim é possível pensar em propostas de registro de patrimônio e sua difusão para novas gerações, muitas vezes, distanciadas do saber artesanal, das lendas, dos rituais, do povo e das suas sonoridades.
Rede Mobilizadores – Como e quando surgiu o projeto SerTão Sonoro? Quais seus principais objetivos?
R.: O projeto SerTão Sonoro nasceu de uma parceria coletiva entre as crianças e jovens da Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri e a Rede Coletivo –que agrega músicos, produtores culturais, escritores e artistas, amigos da fundação – que articularam uma rede colaborativa e que visa construções coletivas e conjuntas.
Nascida a ideia, o projeto foi apresentado pela Fundação Casa Grande – nomeada como Casa do Patrimônio da Chapada do Araripe, em 2009, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) – ao Edital do Programa Cultural das empresas Eletrobras 2012 e ao Ministério da Cultura (MinC). O projeto foi aprovado e passou a ser patrocinado pelo MinC e pela Eletrobras Chesf.
O principal objetivo da iniciativa é aprimorar as produções radiofônicas de documentação do patrimônio imaterial da região do Cariri, desenvolvidas na rádio comunitária Casa Grande FM, contemplando mitos e lendas características e representativas da identidade Kariri, tradições orais, musicais e a cultura popular da região, como os reisados, as bandas cabaçais, os côcos, os artesãos e as práticas religiosas, rezas, cânticos e ladainhas.
Rede Mobilizadores – Quem participa do projeto? Como se deu a construção coletiva da iniciativa?
R.: O projeto conta com a participação de crianças, adolescentes e jovens da Fundação Casa Grande. A equipe de coordenação, produção e execução do projeto e de oficineiros conta com: Elizah Rodrigues e Paulo Brandão, do Brand Estúdio-RJ; Marcelo Brissac, da Rádio MEC FM-RJ; André Magalhães, do Estúdio Zabumba-CE; Vanessa Louise, consultora do Iphan-CE.
A elaboração e execução do projeto prezaram pelo trabalho coletivo, de modo que todos se apropriassem das discussões e decisões do grupo de trabalho, corroborando para o fortalecimento da autonomia dos jovens da Fundação Casa Grande.
Rede Mobilizadores – Que tipo de capacitação é oferecida aos participantes?
R.: A capacitação constituiu a primeira etapa do projeto, mas se estendeu durante toda sua execução. As crianças, adolescentes e jovens tiveram uma capacitação inicial nas áreas de patrimônio imaterial; pesquisa e elaboração de roteiro; locução e técnicas de entrevistas e captação; decupagem, edição e mixagem de áudio.
No decorrer do projeto, essas oficinas integraram-se à prática, consolidando o aprendizado e apresentando amostras a partir do produto final do projeto.
Rede Mobilizadores – Qual é a abrangência física do projeto?
R.: A região do Cariri, localizada no sul do estado do Ceará, com aproximadamente 800 mil habitantes, culturalmente ligados pela Chapada do Araripe, conhecida internacionalmente por sua reserva fossilífera e pesquisas paleontológicas com fósseis de 110 milhões de anos.
A equipe do projeto deslocou-se para várias cidades da região, entre elas: Nova Olinda, Santana do Cariri, Assaré, Potengi, Crato, Juazeiro do Norte, Missão Velha e Barbalha. Nelas, realizou-se o trabalho de captação das entrevistas e documentação fotográfica da equipe em campo. Cabe ressaltar que este momento de contato com comunidades tradicionais, artesãos, músicos, poetas, rezadeiras e cantadores foi de imensa riqueza e possibilitou profundo conhecimento aos participantes do projeto.
A abrangência do projeto é ainda maior, se levarmos em conta que o material final produzido será disponibilizado, em CDs, a escolas públicas da região, bem como a rádios educativas, comunitárias e universitárias.
Rede Mobilizadores – O que uma experiência como esta representa em termos de fortalecimento comunitário?
R.: O SerTão Sonoro fortalece o patrimônio cultural e imaterial do Cariri, região que se situa como centro geográfico do Nordeste e abrange vários estados: Ceará, Maranhão, Piauí e Pernambuco, resguardando uma infinidade de signos e símbolos, cujo teor merece ser considerado como patrimônio cultural da Chapada do Araripe. Através das sonoridades do sertão nasce o empoderamento das comunidades entrevistadas, o acesso democrático à informação e o fortalecimento da relação entre o homem e sua cultura.
Os participantes registraram, ao longo dos trabalhos manuais, formas de fazer e tradições religiosas e étnicas. Com isso, perceberam o valor da sabedoria popular da região e a necessidade da preservação dos saberes de seu povo através do rádio, um meio comunicação de acesso democrático. Cada membro poderá atuar, assim, como multiplicador do conteúdo do projeto, levando a outros espaços o patrimônio imaterial do Cariri.
O projeto facilitará a circulação da informação na região, por meio das escolas e de rádios públicas e comunitárias, e também de palestras e rodas de conversa realizadas pela equipe da iniciativa em diferentes cidades e instituições da região e de outros estados do Brasil, como Rio de Janeiro e São Paulo.
Rede Mobilizadores – O que representa um projeto como este para a preservação cultural do Cariri?
R.: A Chapada do Araripe, em seu todo patrimonial, apesar de sua grandeza e beleza, não se faz visível aos olhos de jovens e crianças, pois estão sendo socializados para o uso irrefletido de bens culturais, fruto da globalização, e se distanciando das produções locais. Nesse sentido, faz-se urgente desenvolver atividades que documentem e visem à difusão de aspectos que merecem ser registrados e propagados para os povos e futuras gerações.
Composta por 28 cidades, a região do Cariri representa um caldeirão cultural, que congrega riquezas de diversas ordens e grandezas. É, em si, um acervo vivo de patrimônios culturais, digno de ser preservado e difundido. Para tanto, a formação de gerações para a pesquisa e produção artístico-cultural é uma prática necessária e fundamental para a revivescência do patrimônio cultural dessa localidade. Dessa forma, nasceu a inquietação do grupo para elaboração do projeto.
Rede Mobilizadores – Quais os produtos de comunicação resultantes do projeto? Como estão sendo divulgados?
R.: O cd contém 30 programas radiofônicos de 10 minutos cada um, que abordam o patrimônio imaterial da região do Cariri. Os programas estão disponibilizados no blog do projeto https://sertaosonoro.wordpress.com/, num quiosque digital com acesso aos programas nas dependências da Fundação Casa Grande e na programação diária da Rádio Comunitária Casa Grande FM, gerida pelos jovens da fundação.
Palestras e rodas de conversa estão sendo realizadas em espaços educativos na região do Cariri para divulgação do projeto, bem como parcerias e articulações com rádios públicas de todo o Brasil para disponibilização dos programas de rádio e informações sobre possibilidades de uso.
Rede Mobilizadores – Em que etapa está o projeto? Quais as maiores dificuldades encontradas até agora e como estão sendo superadas?
R.: Estamos na etapa de divulgação do projeto. Os jovens da Fundação Casa Grande estão realizando palestras e rodas de conversas nas escolas e universidades da região e distribuindo as mídias para as rádios educativas e universitárias do Brasil. Já estamos finalizando o projeto, mais a ideia é que ele continue a dar frutos, por meio de contatos com outras localidades e instituições, gerando novas possibilidades de produções e construção de conhecimento.
Rede Mobilizadores – O que é preciso para que um projeto como este seja replicado?
R.: Acredito que o fundamental seja a construção de grupos e pensamentos coletivos que visem à valorização do patrimônio que possuem em suas comunidades, para que assim nasçam propostas de registro de patrimônio e sua difusão para as novas gerações, muitas vezes, em sua maioria, distanciados do saber artesanal, das lendas, dos rituais, do povo e das suas sonoridades.
Entrevista do Eixo Erradicação da Miséria
Concedida à: Renata Olivieri
Editada por: Eliane Araujo
link: http://www.mobilizadores.org.br/entrevistas/sonoridades-retratadas-em-projeto-empoderam-comunidades-da-regiao-do-cariri/?eixo=cidadania